Autobiografia sem Fatos

     [...]E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e anônimo, escrevo palavras como a salvação da alma [...] anel de renúcia em meu dedo evangélico, jóia parada do meu desdém extático.

     A personagem individual e imponente, que os românticos figuravam em si mesmos, várias vezes, em sonho, a tentei viver, e, tantas vezes, quantas a tentei viver, me encontrei a rir alto, da minha idéia de vivê-la. O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos.

     Quase todos os homens sonham, nos secretos do seu ser, um grande imperialismo próprio, a sujeição de todos os homens, a entrega de todas as mulheres, a adoração dos povos, e, nos mais nobres, de todas as eras...

     Poucos (são) como eu habituados ao sonho, são por isso lúcidos bastante para rir da possibilidade estética de se sonhar assim.[pág46] [...]

Do "Livro do Desasassocego".
composto por Bernardo Soares,
ajudante de guardalivros na cidade de Lisboa
por Fernando Pessoa

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